A fábula do empreendedorismo

Artigo muito interessante … muitas vezes acreditamos que estes mega empresários são seres iluminados e que somente com uma idéia muito mais que brilhante é possível sair da vala comum, rumo ao super sucesso e fortuna.
Vale a pena a leitura abaixo e fundamentalmente acreditar que nos, pessoas comuns podemos ao menos sonhar com um possível sucesso.

A fábula do empreendedorismo

Histórias de empresários de sucesso são parecidas com filmes da Disney. Criadas apenas para entreter.

Steve Jobs e Bill Gates são gênios da computação que criaram na garagem de casa dois dos negócios mais inovadores do mundo. Essa é a história que costumamos encontrar na imprensa e (também) em universidades. Pouco se fala que Gates é neto de banqueiro. Ou que Jobs inovou com a ajuda de seu amigo Steve Wozniak e de muitos outros aliados – e que nem sempre foi considerado um empresário de sucesso.

Empreendedores de destaque viram heróis com superpoderes nas biografias comumente encontradas em livrarias e bancas de jornais simplesmente porque nós, jornalistas, gostamos de contar histórias de gente fora do comum. E vocês, leitores, adoram ler fábulas empresariais. As narrativas sobre empresários lembram muito os roteiros da Disney. Para traçar um paralelo com o empreendedorismo, nada mais instrutivo que o filme “A Princesa e o Sapo”. Uma moça pobre e humilde, Tiana, sonha ter seu próprio restaurante. Seu destino muda para sempre quando encontra um sapo. É, sim, o príncipe encantado. Depois de muito drama, o sapo transforma-se em um rico herdeiro que irá realizar o sonho empreendedor de Tiana. Assim como o restaurante de “A Princesa e o Sapo”, empresas como Apple ou Microsoft parecem ter sido criadas por um passe de mágica de mentes brilhantes. Job e Gates são provavelmente sujeitos bem acima da média. Mas seus negócios foram criados com algum capital, parceiros e uma rede de relacionamentos. E sua trajetória foi mais acidentada do que às vezes aparenta.

Estudiosos do sucesso da Disney como Steven Watts, autor do livro “The Magic Kingdom: Walt Disney and the American Way of Life”, defendem que filmes como Branca de Neve e Pinóquio simbolizam valores que (particularmente) os norte-americanos cultivam. Branca de Neve celebra o triunfo do oprimido e a importância de “trabalhar duro”. A narrativa de Pinóquio critica o desperdício de recursos e a educação permissiva. Walt Disney procurou fazer do seu próprio negócio uma história romântica de idealistas trabalhando em conjunto por amor à arte – mas acadêmicos como David Boje, professor da New México State University (NMSU), desconstruíram-na e mostraram que a vida e a obra de Disney não foi nada virtuosa.

Um mito muito difundido entre empreendedores é o do “self-made man”. Homens que criam empresas do nada e apenas com seu próprio esforço. Em um livro recentemente publicado nos Estados Unidos (“From Predators to Icons”), os pesquisadores franceses Michel Villette e Catherine Vuillermot analisaram a biografia empresarial de 32 dos mais influentes empreendedores do mundo. Chegam à conclusão de que o “self-made man” não existe. Homens de sucesso não partiram do zero nem ergueram impérios por conta própria, sustentam os autores.

Segundo um dos principais decifradores de mitos, o sociólogo francês Roland Barthes, mitos não são eternos, pois surgem com a história. São a representação idealizada para um grupo social em um determinado momento. E são definidos muito mais pelo processo de comunicação do que pelos objetos da sua mensagem. Ou seja, a questão não é Steve Jobs ou Bill Gates. É o que transmitem: o espírito empreendedor de quem consegue transformar sonho em realidade.

Celebridades como Steve Jobs e Bill Gates simbolizam as nossas aspirações individuais e nossos mitos coletivos sobre conquista e sucesso. Teórico das narrativas e professor da University of London, Yannis Gabriel coloca as histórias como um contrato psicológico entre o contador e a sua audiência. Os leitores de um jornal ou revista, portanto, “compram” enredos que, quase sempre, têm os mesmos atributos. No caso da Apple:
– Steve Jobs é um indivíduo com poder de influenciar eventos e buscar os seus objetivos (o que Gabriel chama de atribuição de motivo);
– Ele tem qualidades imutáveis, como a de ser “visionário”
– A sua história é marcada pela emoção (quando combateu pela primeira vez um tumor, em 2005, a imprensa publicou a seguinte declaração de Jobs: “A morte é provavelmente a melhor invenção da vida. Todas as expectativas externas, todo o orgulho, todo o medo do fracasso – essas coisas se desfazem diante da morte, deixando apenas o que de fato é importante”);
– As ações de Jobs parecem arquitetadas por uma força superior, pelo destino (o que Gabriel chama de atribuição de importância), como revela a seguinte frase publicada em uma reportagem: “Em outubro de 2001, ainda sob a ressaca dos atentados de 11 de setembro, a Apple convocou um grupo de jornalistas para revelar a face do futuro…”

Gostaríamos que o mundo fosse diferente. Que existissem super-heróis. Mas enfrentar a realidade talvez seja o caminho mais recomendado para quem, de fato, queira fazer alguma diferença para si próprio e para os outros.

*Por Adriana Wilner é redatora-chefe de Pequenas Empresas & Grandes Negócios e doutora em estratégia pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo, com a tese “As Engrenagens da Celebridade Empresarial”